
05 Mar Doente lança apelo nas redes sociais e pede acesso a medicamento que lhe pode salvar a vida.
Doente lança apelo nas redes sociais e pede acesso a medicamento que lhe pode salvar a vida.
Viver com Fibrose Quística (FQ) em Portugal é um desafio, uma verdadeira corrida de obstáculos colocados pela própria doença e agravados pela ausência de apoios e tratamentos que, embora disponíveis noutros países, tardam a chegar ao nosso país. Cansada de esperar, Constança Braddell usou as redes sociais para um desabafo que se tornou viral. Um testemunho que confirma as dificuldades e se transforma num apelo para que o tratamento inovador, que lhe poderia salvar a vida, tenha finalmente luz verde para chegar a quem dele precisa.
“Não quero morrer, quero viver”, escreve, num post de Instagram que tem já muitos milhares de reações. Nele, partilha o que é viver com Fibrose Quística, doença que acompanha há 24 anos e desabafa: “azar o meu que nasci e resido num país onde a Fibrose Quística tem pouca ou nenhuma expressão e daí o tratamento que me poderá salvar a vida me estar a ser negado”.
Constança Braddell explica que, se até recentemente a doença pouca tinha interferido com a sua vida, tudo mudou a partir de setembro do ano passado. “Tenho vindo a morrer lentamente. Perdi 13 kg no espaço de três meses e estou ligada a oxigénio 24/7, e a um ventilador não invasivo para dormir, porque é a única maneira de eu conseguir continuar a respirar”. Agora, “uma simples ida à casa de banho parece impossível. Uma simples chamada ao telefone deixa-me exausta”.
O cansaço é muito, assim como o desânimo e sobretudo a revolta. É que há um medicamento novo, já disponível em vários países que, no entanto, tarda a ser aprovado em Portugal. “Este medicamento não é a cura, mas tem a capacidade de prolongar a vida de um paciente com Fibrose Quística. Pode prolongar a minha vida”, explica.
A história que partilhou nas redes sociais inclui ainda os esforços feitos, as muitas mensagens enviadas a inúmeras figuras políticas do País e às autoridades de saúde nacionais, com quem partilhou o facto “de estar numa luta contra o tempo”. Sem sucesso. Com ela estarão os 400 doentes que, em Portugal, vivem com Fibrose Quística e que aguardam, conscientes de que a doença não se compadece com esperas.
“A Constança é apenas uma das muitas doentes que esperam em Portugal”, confirma Paulo Sousa Martins, presidente da Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ). “O medicamento de que fala, o Kaftrio, já foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA). Aquilo que pedimos é que, tal como aconteceu noutros países, possa estar também acessível em Portugal. Não há justificação para esta espera, quando o que está em causa são vidas”, acrescenta.
Para Manuel Herculano Rocha, presidente da Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ), “estes doentes vivem uma situação delicada que importa resolver com a maior urgência. O novo tratamento, dada a sua eficácia, tem de ser celeremente aprovado e disponibilizado. Estão vidas em jogo e as entidades portuguesas como o INFARMED, têm de resolver esta situação e ajudar os portugueses com Fibrose Quística”.
A Fibrose Quística é uma doença hereditária rara causada por mutações nas duas cópias (herdadas uma do pai outra da mãe) de um único gene que codifica a proteína CFTR. A proteína CFTR funciona como canal transportador de iões cloreto e bicarbonato nas células que revestem as nossas mucosas, nomeadamente nas vias respiratórias.
A FQ afeta mais de 90.000 pessoas em todo o mundo, aproximadamente 50.000 na Europa e cerca de 400 em Portugal, e manifesta-se logo à nascença, afetando todos os órgãos que expressam a proteína CFTR, nomeadamente os sistemas respiratório e digestivo. Há 50 anos, levava à morte na primeira década de vida.
Manifesta-se sobretudo ao nível das vias respiratórias que ficam obstruídas por um muco espesso que é necessário remover por ação de fisioterapia e agentes mucolíticos.
Além destes tratamentos que ajudam a desobstruir as vias respiratórias, as pessoas com FQ têm de receber diariamente outros medicamentos para debelar os seus sintomas: enzimas antes das refeições para digerirem os alimentos (aquilo que todos fazem sem sequer pensar); antibióticos, para fazer face às repetidas infeções pulmonares; vitaminas e outros suplementos alimentares; anti-inflamatórios, para conter a inflamação crónica, além de internamentos prolongados para controlo das crises respiratórias frequentes. Apesar desta enorme carga terapêutica, a doença vai seguindo o seu curso com perda significativa da função respiratória, que assim se vai deteriorando e que, em última análise, só é mitigada com recurso a um transplante pulmonar.
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