COMO SE MANIFESTA: Aparelho Gastrointestinal

QUE DEFEITOS?
De igual modo, o que se descreveu para as células do aparelho respiratório passa-se com as células epiteliais do pâncreas, intestino e do aparelho hepatobiliar, onde o muco produzido por estas células é mais espesso, originando fenómenos de obstrução dos canais das respectivas glândulas, com as múltiplas manifestações clínicas.

 

No pâncreas
No pâncreas por não funcionamento do canal de cloreto a nível das células epiteliais dos ductos, observa-se fundamentalmente diminuição da secreção de bicarbonato e fluido ductal. Como consequência há obstrução dos ductos e secundariamente as enzimas secretadas no pâncreas não atingem o intestino havendo deficiente absorção das gorduras e proteínas.
Com a idade, em alguns doentes (8-15%) observa-se destruição das células produtoras de insulina, surgindo a diabetes mellitus.

A insuficiência pancreática é sem dúvida a causa mais importante para a má nutrição na FQ, por malabsorção dos alimentos. As alterações pancreáticas observadas ainda na vida intrauterina e ao longo da vida, provocam sintomas gastrointestinais relacionados com a insuficiência pancreática em 80-95% dos doentes. Existe um grupo de doentes com mutações associadas a função pancreática normal em que o diagnóstico pode ser mais tardio, por vezes mesmo na idade adulta.
No intestino
No intestino para além da deficiência em enzimas pancreáticas, existem também desregulações do transporte de iões nas células do intestino (enterocitos).
O íleus meconial presente em 10-15% de recém-nascidos e o Síndroma de Obstrução Intestinal Distal (SOID), mais comum na adolescência e idade adulta (20-25%) deve-se ao defeito na secreção de cloreto no enterocito com reduzida secreção de iões e água, à insuficiência pancreática e ao atraso no trânsito intestinal com acumulação de fezes e muco.

 

No aparelho hepatobiliar
No fígado os ductos drenam as secreções biliares. Na FQ devido ao aumento da viscosidade da bilis e alteração da composição dos ácidos biliares observa-se distensão dos pequenos ductos biliares e deposição do muco espesso. Normalmente só uma pequena percentagem de doentes (3-5%) apresentam doença hepática, que se manifesta clínicamente por icterícia neonatal, esteatose hepática, cirrose biliar focal ou multilobular. Podemos também observar uma microvesícula e incidência aumentada de cálculos biliares ( 12% dos doentes) que, por regra, não causam sintomas e não requerem tratamento.

 

Que sintomas e sinais?

  • A deficiente progressão de peso e estatura deve-se sobretudo à malabsorção das gorduras e proteínas, mas outras causas como a falta de apetite, o aumento das necessidade calóricas nomeadamente em fase de agravamento pulmonar e a intolerância aos açúcares, podem ser outras das causas;
  • A esteatorreia caracterizada por diarreia de fezes abundantes, gordurosas, de cheiro fétido, é a manifestação clínica do défice das enzimas pancreáticas;
  • A dor e distensão abdominal são observadas nos doentes com malabsorção das gorduras e provavelmente devido a inflamação intestinal.

Outros sintomas menos frequentes são:

  • O ileus meconial deve-se à presença do mecónio espesso, com aspecto de plasticina no intestino do recém-nascido com FQ.  Nestes recém-nascidos este mecónio provoca oclusão intestinal;
  • O Síndroma de Obstrução Intestinal Distal (SOID) na criança mais velha e no adulto é uma complicação equivalente ao íleus meconial. Clínicamente manifesta-se por obstrução parcial ou total do intestino;
  • O prolapso rectal é uma situação em que há saída da mucosa rectal através do ânus. Normalmente resulta de algum grau de obstipação mas também do aumento da tosse e da deficiente progressão ponderal.

TRATAMENTO DOS PROBLEMAS GASTROINTESTINAIS

 

Dieta e nutrição
Pela importância da nutrição na progressão da doença pulmonar, nas defesas do organismo, na resposta inflamatória pulmonar e na capacidade dos músculos respiratórios, o controlo nutricional tem que começar logo nos primeiros anos de vida.
Os doentes com FQ têm um dispêndio energético aumentado, estimando-se que necessitam entre 20% a 50% mais calorias do que as outras pessoas.
As necessidades em proteínas também estão aumentadas.
Para facilitar um maior consumo destes alimentos pode-se recorrer a produtos de charcutaria (fiambre, paio, presunto) que se incluem nas refeições intermédias, ou simplesmente como aperitivo; e ovos como complemento do prato de carne ou peixe, ou incluídos em sobremesas (4 a 5 ovos por semana).
Os doentes com FQ devem consumir gorduras em maior quantidade para compensar as necessidades energéticas. Para isso deve-se reforçar o azeite da sopa, utilizar molhos para temperar, como maionese, molho vinagrete, molho da própria confecção culinária; saltear batatas e legumes; adicionar gordura ao arroz, confeccionar esparguete e purés.

A ingestão de alimentos ricos em hidratos de carbono às refeições principais (batatas, arroz, massa, feijão, grão) e nas refeições intermédias (pão, bolachas e tostas), complementada com as proteínas e as gorduras ajuda a fornecer a quantidade de energia necessária.
Como o apetite por vezes é escasso, torna-se muito difícil aumentar o consumo dos alimentos. Algumas sugestões para ultrapassar este problema são engrossar sopas com fécula de batata e consumir cereais ou farinhas nas refeições intermédias; acompanhar as refeições com sumos de frutas; ingerir alimentos açÚcarados (sobremesas, bolos, chocolates), mas apenas após as refeições e não nos intervalos.

Além de fornecer a quantidade adequada de vitaminas, minerais e fibras, devem consumir legumes, saladas e hortaliças nas sopas e acompanhamentos do segundo prato e duas a três doses de fruta diárias.
Em situação de doença é necessária muita imaginação para confeccionar uma dieta atractiva, devendo esta ser muito variada a fim de estimular o apetite e facilitar um aporte calórico-proteico adequado.
Em casos especiais podem ser indicados suplementos hiperenergéticos.

 

Enzimas pancreáticos
Em todas as refeições o défice de enzimas pancreáticos é compensado com a administração dos enzimas. A grande maioria dos doentes tem indicação de às refeições tomar os enzimas pancreáticas para que os alimentos possam ser absorvidos. Os enzimas são administrados em forma de cápsulas. Quando o doente é incapaz de deglutir a cápsula, esta pode ser aberta e os pequenos grânulos misturados com uma pequena quantidade de papa ou sopa. Deve-se ter em atenção que os grânulos devem ser deglutidos inteiros e nunca trincados na boca.
A dose diária depende da idade e da situação do doente, pelo que poderá haver ajustes das doses.

 

Vitaminas
Devido à malbsorção das vitaminas ADEK, está indicado um suplemento polivitamínico diário.

 

Tratamento da Obstrução intestinal
Em caso de suboclusão ou obstrução intestinal (sem dejecções e dores abdominais) o doente tem que ser observado pelo médico. Na maioria dos casos uma dieta adequada e agentes mucolíticos associados ao ajuste dos enzimas pancreáticos são suficientes para controlar as situações de oclusão parcial. Se a oclusão do intestino é total, há necessidade de intervenção cirúrgica.